Prevenção a deslizamentos exige medidas estruturais e não-estruturais, sustentam especialistas - ABMS
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Prevenção a deslizamentos exige medidas estruturais e não-estruturais, sustentam especialistas

15/03/2023

O mais recente desastre ambiental do país, que aconteceu no litoral norte do Estado de São Paulo, causando 65 mortes e mais de mil desabrigados, foi o centro de live coordenada pelo presidente da ABMS, Roberto Coutinho, no dia 9 de março. Além de Coutinho, participaram do encontro o ex-presidente da ABMS e professor da PUC-Rio, Alberto Sayão, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, o também geólogo Flávio Silva e o coronel Alexandre Lucas, que já atuou em vários órgãos estaduais e federais de defesa civil. A conclusão principal do encontro é que a prevenção a enchentes e deslizamentos exige a adoção de medidas estruturais e não-estruturais, voltadas neste último caso à proteção das populações em situações de risco.

Roberto Coutinho lembrou da participação da ABMS desde o início dos acontecimentos no litoral norte. Relatou a visita à região afetada feita pelo engenheiro Eugenio Pabst, diretor de normas da ABMS. Ele participou de reuniões com autoridades federais e estaduais e fez um sobrevoo acompanhado de representantes da Defesa Civil.

Falando na live, promovida em conjunto pela ABMS e pelo grupo Geotecnia Brasil, Coutinho afirmou: “temos que estar cientes em relação às mudanças climáticas. É necessário que elas sejam consideradas nos projetos de prevenção e de resposta. Precisamos de investimentos na infraestrutura urbana para redução de risco, em planejamento urbano, nos códigos técnicos de ocupação, na criação de instrumento de gestão integrada com foco na governação do risco de desastres. Ou seja, precisamos de ações estruturais e não-estruturais”.

Para o presidente da ABMS, “é preciso fortalecer as nossas instituições federais, estaduais e municipais e implantar Comitês Técnicos nestas instâncias”. Coutinho acrescentou que é preciso “capacitar os técnicos dos órgãos públicos pertinentes em todos os níveis de defesa civil, educar a população e treiná-la para suas retiradas, com rotas de fuga bem definidas, ter pontos de encontro e abrigos bem definidos, com toda sua preparação e suprimentos. Depois, é necessário reabilitar e recuperar as áreas afetadas”. É necessário também, afirmou o presidente da ABMS, promover uma “revisão, atualização e análise crítica da gestão de risco de desastres que temos hoje no Brasil”.

O ex-presidente da ABMS, Alberto Sayão, seguiu na mesma linha. “É necessário que haja uma mudança na cultura de risco para evitar futuras tragédias como essas”, disse. “O mapa de risco é uma ferramenta importante para a gestão do território e deve ser amplamente utilizado pelas autoridades locais. Além disso, é preciso educar a população sobre os riscos da ocupação de áreas inadequadas e incentivar a busca por locais mais seguros. Somente assim poderemos garantir a segurança e a vida das pessoas em situações de risco.”

Sayão citou uma das metodologias hoje utilizadas no Estado do Rio de Janeiro para mapear as áreas de risco. “Fazemos uma superposição de mapas. Um mapa mostra os deslizamentos já ocorridos no passado. Outro revela os tipos de solos. Um terceiro apresenta aspectos da topografia. Um quarto cuida da ocupação desordenada. Um software nos dá essa somatória dos mapas e chega a um mapa que mostra em vermelho as áreas de maior risco”.

O geólogo Álvaro Rodrigues do Santos ressaltou, por sua vez, a importância das cartas geológico-geotécnicas. “Nos últimos anos, houve a produção de mais cartas de suscetibilidade de deslizamentos, distribuídas para todos os municípios, inclusive os mais vulneráveis”, lembrou. “É crucial utilizarmos esse ferramental excepcional, disponibilizado pelo meio técnico brasileiro, que tem competência reconhecida internacionalmente, na investigação das causas das tragédias que continuam a ocorrer com maior gravidade”.

Para Álvaro Rodrigues não há uma “solução única” para o problema. “Para o equacionamento da gestão de áreas de risco, é importante considerar os elementos cartográficos básicos, como os mapas de geodiversidade em diferentes escalas, as cartas de suscetibilidade e a carta geotécnica, que definem as áreas que não podem ser ocupadas e aquelas que podem ser ocupadas com cuidado."

Rodrigues criticou a deficiência dos programas habitacionais dirigidos à população de baixa renda e a falta de uma cultura técnica, arquitetônica e urbanística, especialmente dirigida à ocupação de terrenos de alta declividade. Finalizando sua apresentação, ele apontou a “desvalorização dos órgãos de estado envolvidos na produção de insumos técnicos para a concepção e implementação de programas de gestão de riscos e a resistência persistente das administrações municipais em implementar as orientações emitidas pela área técnica. É necessário corrigir essas deficiências para centralizar e organizar uma política de gestão de risco de grande alcance para o país”.

O geólogo Flávio Silva afirmou, por sua vez, que o Brasil não tem tirado lições dos sucessivos acidentes geológico-geotécnicos das últimas décadas. Por isso, as tragédias e as mortes seguem acontecendo ano a ano. Ele ressaltou a importância de criar “cidades resilientes”, que sejam capazes de enfrentar as mudanças climáticas.

Para o coronal Alexandre Lucas, “as instituições fundamentais para gestão do risco estão sendo sucateadas, inclusive as unidades do corpo de bombeiros, que não têm tido seu efetivo substituído a partir dos aposentados para se manter o mínimo de efetivo para o socorro.”

Alexandre Lucas lembrou que o Brasil não dispõe de recursos financeiros suficientes para resolver o déficit habitacional no curto prazo. A consequência, segundo ele, é que essas tragédias tendem a se repetir, especialmente se considerada a situação atual das instituições ligadas à gestão de risco.

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